O Hiena Sorridente era um bordel de má fama frequentado por soldados,
traficantes e lutadores decadentes, além da classe operária em busca de uma
rota de fuga. Um mundo fincado nas margens suburbanas de uma África pobre e
marcada pela guerra, completamente diferente daquele ao qual Anton estava
acostumado. O rapaz disfarçou-se o melhor que pode, com roupas baratas
compradas no mercado de rua, na tentativa de não atrair atenção. Não levava
nada de valor no corpo, além de um maço amassado de dinheiro local para trocar
informações e, quem sabe, conseguir um encontro com a garota que procurava.
Ainda assim, levou três dias só para criar coragem e entrar no local.
O
ambiente lá dentro era ao mesmo tempo opressivo, com leões-de-chácara mal
encarados distribuídos pelos cantos, e melancólico, com sua cota de perdedores
incapazes de perceber a degradação que os cercava. Prostitutas entediadas
fumavam cigarros baratos e avaliavam clientes pelas roupas e acessórios que
usavam. Uma delas chegou a rir dos trajes de Anton. O rapaz não se importou.
Não estava ali para impressionar ninguém. Por enquanto, pelo menos. Sentou-se
no bar.
–
O que vai ser, marinheiro? – perguntou uma senhora com uma verruga enorme no
rosto.
–
Uísque – respondeu Anton automaticamente.
A
senhora levantou a sobrancelha.
–
É 20 pratas a dose. Tem certeza que não quer algo mais barato?
Anton
jogou uma nota de 20 no balcão, que desapareceu rapidamente, coletada por dedos
experientes.
–
Uma dose de uísque para o bonitão – disse a bartender, servindo a bebida. –
Mais alguma coisa?
–
Na verdade, sim – respondeu Anton. – Por acaso, vocês têm uma dançarina chamada
Soraia? Me falaram bem dela. Adoraria conhecê-la.
A
senhora sorriu, como se tivesse ouvido aquilo um monte de vezes.
–
Você vai precisar de mais do que uma dose de uísque para impressionar a
Princesa do Nilo, marinheiro – alertou a mulher. – Temos outras meninas mais...
acessíveis, se estiver interessado.
–
Apenas Soraia me interessa – interrompeu Anton. – Dinheiro não é problema.
De
repente, a música ambiente foi cortada e as luzes diminuíram de intensidade.
–
Bom, o show já vai começar – disse a bartender, afastando-se para atender outro
cliente. – Tente falar com ela após a apresentação. Boa sorte!
Anton
virou-se para o palco, curioso. Uma movimentação incomum tomava conta do
bordel, com prostitutas sendo dispensadas enquanto os clientes procuravam
lugares mais próximos da pista de dança. As conversas diminuíam de intensidade,
substituídas pelos sons de cadeiras arrastadas e passos apressados. Por um
breve momento, o bordel mergulhou no mais profundo silêncio, deixando o
ambiente cheio de uma expectativa tensa e abafada.
Então,
uma luz acendeu-se na cabine no canto direito do palco, onde o DJ, um negro de
óculos escuros enormes, cabelo black power e tatuagens tribais nos braços
musculosos assumiu o microfone.
–
Dizem que não existe nada perfeito nesse mundo de dores e tormentas – começou o
DJ, com voz de veludo. – Homens sábios, mais inteligentes do que eu ou qualquer
cão sarnento aí embaixo, disseram isso – continuou, com a batida suave de uma
música se iniciando ao fundo. – Pois eu digo que eles não passam de tolos!
Pobres infelizes que nunca tiveram a chance de conhecer Soraia, a mulher mais
bonita da Terra!
Alguns
clientes levantaram, batendo palmas. Outros, pediram para abrir a cortina de
uma vez, ansiosos pelo show que estava para começar. A música aumentou de
volume. Anton reconheceu a melodia. Why
don’t you do right, de Peggy Lee, numa versão mais provocativa e atual. Deu
um gole no uísque e fez uma careta. Falsificado. Era de se esperar.
–
Uma salva de palmas para a Princesa do Nilo – pediu o DJ.
O
público obedeceu com fervor quase religioso. Os clientes levantaram-se,
bloqueando a visão de Anton. O rapaz fez o mesmo. Precisava achar um lugar
melhor. As luzes diminuíram mais um pouco e as cortinas abriram-se lentamente.
Uma sombra sinuosa destacou-se na escuridão, máquinas de fumaça foram
acionadas. Os homens assobiavam e batiam palmas. Anton precisou se apertar
entre dois engravatados suados para chegar perto do palco. Não esperava grandes
coisas do show. Não num lugar como aquele. Então, um holofote se acendeu e
revelou Soraia.
O
copo de uísque que Anton tomava tanto cuidado para segurar no meio da balbúrdia
subitamente escorregou de seus dedos e caiu no chão, sem que ele sequer
percebesse. Seu queixo acompanhou o movimento e só não fez companhia ao copo
por estar grudado ao rosto. Alguns clientes ainda gritavam, empolgados, mas
eram uma minoria. A maior parte dos homens estava atônita demais para reagir, contentes
em beber com os olhos as formas perfeitas da Princesa do Nilo.
Parada
de costas para o público, em um vestido de lantejoulas negras apertado, uma das
pernas levemente arqueada para o lado esquerdo, realçando as curvas generosas
de seu quadril, estava Soraia. Ela virou o rosto levemente, os cabelos negros
cortados em estilo Chanel a esconderem parcialmente a face, revelando apenas o
nariz arrebitado e olhos verdes de uma gata selvagem.
You had plenty money 1922
You let other women make a fool of you
A
voz ecoava nas caixas de som enquanto Soraia encarava seu público, o fantasma
de um sorriso a passar pelos lábios vermelhos. Ela caminhou com lentidão, a
cintura quebrando de um lado para o outro, as mãos escondidas por luvas brancas
esguias que ela tirava sem nenhuma pressa.
–
Mostra os peitos, gatinha – provocou um gordo asqueroso.
Why don’t you do right like some other men do?
Soraia
chicoteou o rosto do infeliz com uma das luvas, arrancando aplausos do público
e fazendo Anton sorrir.
Get out of here and get me some money too
O
rapaz não conseguia tirar os olhos da mulher, de seus peitos majestosos, de sua
cintura sinuosa, de suas pernas roliças. Sua vontade era subir no palco,
arrancar sua calcinha com os dentes e possuí-la ali mesmo, para que todos
vissem. E, pelo jeito, não era o único. Um leão-de-chácara experiente conteve
um fã mais excitado que claramente queria agarrá-la. Ele foi derrubado antes de
sequer encostar na princesa, que continuou a dançar como se nada tivesse
acontecido.
O
vestido se foi com um único movimento, revelando a lingerie de renda negra e
transparente. Os homens uivaram ao seu redor. As mãos levantadas no ar com
dólares, euros e dinheiro local presos entre os dedos, todos loucos pela chance
de tocarem sua pele macia e morena. Mas ela se fazia de difícil. Não se
contentava com ninharias. Não era uma dançarina qualquer, que se deixava ser
tocada e manipulada como mercadoria. Ela mantinha distância e deixava o público
louco com isso. Inclusive Anton, que se misturava com a plebe como se fosse um
deles, incapaz de resistir aos impulsos mais básicos. Ela realmente merecia o
título de Princesa do Nilo.
Quando
o show acabou, Anton tentou se aproximar da dançarina, mas um leão-de-chácara
bloqueou seu caminho.
–
Onde o amigo pensa que vai? – quis saber o grandalhão.
–
Queria dar uma palavrinha com a princesa – explicou o rapaz.
–
Você é novo por aqui. Soraia só atende clientes novos às quartas. Volte semana
que vem – avisou o leão-de-chácara.
–
Mas... eu tenho dinheiro – protestou Anton.
–
A princesa não é qualquer uma que se consegue num estalar de dedos, amigo –
advertiu o brutamontes.
–
Olha, você me parece um cara razoável, tenho certeza que podemos chegar a um
acordo – disse Anton, retirando o maço de dinheiro do bolso.
Antes
que pudesse fazer qualquer coisa, o leão-de-chácara tomou as notas de sua mão e
as contou sem a menor cerimônia. Havia o equivalente a cinco mil dólares ali. O
segurança sorriu, guardando as notas no próprio bolso.
–
O amigo vai poder conversar com a princesa na quarta que vem – garantiu. – Só
que vai precisar de 50 mil, caso queira fazer algo mais do que conversar.
Estamos entendidos?
–
50 mil? – perguntou Anton, abismado com o preço. Nem as prostitutas de luxo com
as quais estava acostumado cobravam uma quantia assim.
–
É pegar ou largar. Você decide – concluiu o brutamontes, lhe dando as costas.
Soraia
saiu pela porta dos fundos, abraçada com um general cheio de patentes. Anton
suspirou. Teria que esperar mais uma semana para conseguir conversar com a
moça. E mais duas para reencontrar Ogam e enfim realizar seu desejo.
Compre o e-book e leia a história completa aqui.
Gostei do sneak peek, mas o livro é muito melhor.
ResponderExcluir